Pontualidade

Entre as minhas poucas qualidades com certeza não se inclui a  pontualidade, “essa cortesia dos reis, esse mau costume dos ingleses, essa obrigação dos educados”. Está sim entre os meus imensos defeitos, que carrego penosamente desde que me conheço, com alguns arremedos aqui e ali mas que nunca consegui corrigir verdadeiramente, muito menos agora pois “burro velho não toma andadura”.

Confesso que não me orgulho desta minha característica, tão comum entre nós portugueses (diz-se que os brasileiros conseguem ser um pouco piores neste aspecto o que só confirma o ditado de “quem sai aos seus …).

É um facto que chegar atrasado entre nós se transformou num círculo vicioso, pois muitas vezes fazemo-lo porque já contamos que os outros se atrasem, porque é esse o costume e, aceitá-lo, é meio caminho andado para se tornar igual. Por isso, alguém com espírito dizia que “a pontualidade portuguesa é um mito, pois marcar uma hora, em português, significa marcar a hora a partir da qual se deve começar a chegar e não a hora a que se deve estar”.

Também há os que pensam que chegar atrasado dá importância, a ideia de que se é alguém muito ocupado e solicitado e que o inverso é um sinal de ansiedade, de submissão e de insegurança.

Pontualidade é uma virtude, significa chegar à hora, nem antes nem depois.

É uma demonstração de respeito pelos outros e, mais que uma questão de planeamento, é uma questão de cultura, de atitude e de valores.

Na China, Japão e Alemanha, chegar atrasado é uma ofensa. Aqui é um motivo para as esfarrapadas desculpas do trânsito, do tempo, do serviço e sei lá que mais, quando se dão desculpas.

E vem isto a propósito de uma consulta na cidade invicta à qual compareci com quinze minutos de antecedência em relação à hora marcada. Qual não foi o meu espanto ao ser informado pela recepcionista que o médico ainda não tinha chegado nem sabia dizer quando chegaria, “só” estava atrasado 3 horas e tinha 9 doentes à minha frente…

Sem alarido, desmarquei a consulta de imediato e saí porta fora. Mas confesso que não posso contar aqui o que me apeteceu dizer àquele médico.

Nunca tive atrasos destes mas mesmo assim dei comigo a pensar nos incómodos que provoquei e na indignação daqueles que deixei pendurados ao longo da minha vida e senti-me mal, muito mal mesmo. A todos peço publicamente desculpa e espero que me perdoem.

Sendo este um problema nosso, há quem tenha proposto criar em Portugal o Ano da Pontualidade, uma espécie de ano zero para pôr o país a horas. Penso que não resultaria.

Pelo contrário, tem razão um gestor alemão que durante vários anos dirigiu uma empresa em Lousada: “O problema começa na infância. Como é possível que os adultos sejam pontuais se em crianças e adolescentes foram habituados, do infantário à universidade, a não cumprir horários”, dizia ele.

Os seus filhos andavam no colégio alemão e para a aula das 8H00 tinham de estar à entrada até às 7H55. Se chegassem um minuto depois já não entravam e os pais eram obrigados a ficar com eles à espera até à aula seguinte.

Seríamos capazes de pôr em prática regras deste tipo? Admito que não fosse difícil às crianças aceitar esta disciplina mas quem disciplinaria os pais que são quem os leva ao infantário ou à escola?

Num passado recente estive envolvido num processo deste tipo, mas muito mais suave, e mesmo assim tivemos reações às regras e comportamento de pais que não lembram ao diabo.

E, já agora, porque será que os portugueses quando trabalham lá fora são tão pontuais como os outros? E se cumprem lá, porque não fazem o mesmo cá? Será porque aqui apanhamos mais sol na “moleirinha”? Ou porque …

Para se ser pontual basta sair antes, começar antes e terminar antes. É importante conseguir ser pontual até porque as pessoas são contratadas pelo currículo e demitidas pelo comportamento.

Ou o problema de ser pontual será que “se chegarmos a horas não há lá ninguém para nos elogiar”?

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