Sentado no sofá, ligo a TV e fico a ver as notícias do mundo. Às tantas, passam as imagens da destruição e devastação que o furacão Milton causou na Florida e são impressionantes. Logo a seguir, recuperam outras dos recentes incêndios de Albergaria, não menos chocantes. Mas, como não é nada comigo e até já tinha visto tudo isto, mudo de canal para ver um filme cómico, pois sempre é mais agradável. Que tenho eu a ver com os furacões do outro lado do mundo ou até com os incêndios no centro do país? Nada! Mas será bem assim? Dou comigo a pensar que, afinal, “temos (quase) todos a ver” com os furacões e os incêndios, as inundações e os nevões anormais, as secas e as ondas de calor, os tornados e os ciclones tropicais, pois contribuímos para eles todos os dias. Como? No que consumimos, queimamos, desperdiçamos, poluímos, estragamos, desmatamos, mineramos, cultivamos, enfim, no nosso estilo de vida. Uns mais que outros, contribuímos para o Aquecimento Global, a causa mais que provada das alterações climáticas e dos fenómenos extremos a que temos assistido, cada vez com mais frequência.
Já há 1.500 anos Platão falava sobre degradações ambientais que resultavam de atividades como agricultura, habitação e mineração.
Depois, a industrialização provocou a maior revolução global e fez as pessoas acreditarem que têm o direito de dominar a natureza a seu belo prazer e transformar tudo em bens de consumo, mesmo que para tal seja necessário, e aceitável, destruir o meio ambiente na busca por mais produção econômica, para satisfazer as suas necessidades. E, para dar resposta à permanente insatisfação do ser humano ao entender que deve ter tudo, mesmo para além do necessário, nos países mais desenvolvidos entrou-se numa espiral de consumo de mais e mais, sem respeito pelos outros seres vivos e muito menos, pela “casa” comum onde habitamos. Foi assim que, manipulados pelo marketing, publicidade e pelo crédito fácil, nos tornamos “consumistas” em vez de consumidores, diria mesmo, “os grandes contribuintes para a desgraça” do nosso planeta.
Os maiores culpados são os governos de todo o mundo porque é a eles que compete dar os passos fundamentais para as mudanças. Mas vivem a prometer aumentos na produção para se criar mais riqueza, ganhar mais, consumir mais, poluir mais e dar cabo disto tudo. Cabe-lhes tomar decisões e a implementação de regras que de fato tenham impacto na cadeia produtiva e protejam o meio ambiente. E, para além dos governantes, somos (quase) todos nós, cidadãos do mundo, que com mais ou com menos (in)consciência, consumimos sem conta, peso, nem medida, com consequências gravíssimas para o meio ambiente pelo excesso de produção de lixo, de que as montanhas de roupa usada e produtos eletrónicos descartados são mau exemplo, além da grande poluição gerada pelas indústrias produtoras de bens. Com a mania das grandezas, aumentamos significativamente a poluição ao construir mais casas e maiores que implica mais cimento, ferro e aço e consequente consumo de mais petróleo, carvão e gás para os produzir. Somos nós que fazemos desaparecer florestas e com elas a capacidade de armazenarem carbono, libertar o oxigénio, reter água das chuvas e trazer muitos outros benefícios para nós e para o meio ambiente. E somos nós que desperdiçamos água no banho, nas lavagens, rega e outras situações, um bem fundamental que vai a caminho da escassez. E desperdiçamos alimentos quando faltam a outros, que desperdiçamos eletricidade e outros bens com o nosso estilo de vida, o que tem um profundo impacto no planeta, cabendo aos mais ricos, pelos maiores excessos nos consumos, a maior cota de responsabilidade.
Todo o mundo defende um desenvolvimento sustentável e quem não o defende é louco. Houve cimeiras do clima e milhentos fóruns sobre como travar o pior, no entanto a maioria fica à espera de que sejam os outros a resolver o problema. Mas, com uma sociedade tão desigual, tão diversa e de antagonismos gritantes, como vai ser possível construir um consenso para travar os desmatamentos e a poluição e tudo o que está a descontrolar o clima?
Acreditar que os políticos façam alguma coisa de verdade é crer no impossível, pois eles são incapazes de tomar medidas impopulares para não perder eleições. E “vão empurrar com a barriga para a frente”, à espera de que o problema se resolva sozinho, fazendo com que “a culpa morra solteira”. Mas, também acreditar que cada um de nós vai fazer a sua parte, que vai poupar água, eletricidade, combustíveis, alimentos, reduzir a compra de roupas, calçado, plásticos, eletrodomésticos e aparelhos tecnológicos ao essencial, é acreditar no “pai natal”, pois é certo e sabido que, tirando uns maduros de quem nós diremos que “têm a mania que vão salvar o mundo”, mais ninguém fica a pensar no assunto e “assobia para o lado” porque “o outro é que têm a obrigação de fazer essas coisas”, “porque já estou velho para isso” ou “não estou para aí virado”.
O clima entrou em terreno desconhecido e os vídeos que vemos da devastação dos furacões não deviam deixar ninguém indiferente. Mas deixam. E a grande maioria faz o que eu fiz: pega no comando da televisão e muda de canal para ver algo agradável. O menu dos eventos climáticos extremos que ocorreram na Terra este ano tem de tudo e de que forma: nevões, secas, ondas de calor, incêndios florestais, ondas de frio, inundações, tornados e ciclones tropicais. Apesar dos avisos dados pelos cientistas, que estamos demasiado perto do ponto crítico a partir do qual as crises climáticas podem multiplicar-se, sobrepor e descontrolar, sem que a Humanidade tenha capacidade de prever e se adaptar, assobia-se para o lado. O fim do mundo que preencheu o imaginário de tantos e deu nome a livros e a filmes, poderá já não ser uma ficção científica.
Temos um problema climático grave e há as diversas guerras que assolam o mundo, em atos de loucura que só é possível entre seres (des)humanos. E nem a literacia, o acesso à informação e todas as formas de conhecimento e saber conseguem meter juízo no grande número de governantes que não se importam de brincar com o fogo e a vida de milhões de pessoas. Como é possível continuar de braços cruzados enquanto os combustíveis fósseis e o consumismo desenfreado destroem o planeta? Como é possível permitir que os recursos naturais se esgotem a um ritmo nunca visto? Como é possível ainda comer, rir e ir para a cama descansado enquanto a humanidade caminha para o abismo? Estamos numa contagem decrescente para o apocalipse climático e a sociedade precisa de despertar do seu torpor. Foi o sistema que nos trouxe até aqui, mas é com ele ou sem ele que temos de sair desta crise. E se o sistema que nos trouxe aqui, com governantes e connosco, não encontrar uma solução, o clima encarrega-se de a encontrar para acabar com ele…