As crises políticas têm posto a nu o tipo de gente que nos governa e vamos continuar a vê-los na campanha eleitoral que está à porta, atirando-nos e jogando com emoções em vez de propostas sérias.
Em tempos idos, a nobre arte da política impunha que os cargos de governação, representação de eleitores e nomeação fossem ocupados por pessoas “honradas”. Mas a honra quase desapareceu e é, por estes dias, fora de moda. O conceito passou ser “interpretado” da forma que der mais jeito. Basta olhar para as bancadas parlamentares saídas das primeiras eleições livres e compará-las com as de hoje. O mesmo vale para os governos. O critério para os eleitos e nomeados era, antes de mais, de gente influente e com pensamento, vida profissional com provas dadas, respeito conquistado e autoridade reconhecida pelos demais. Não eram cidadãos modelo, porque não há pessoas perfeitas, mas eram homens e mulheres distintos, porque se distinguiam. A política e os cargos públicos eram vistos como missão e nunca como profissão, como tarefa e não como ocupação, como serviço e não como benefício. Esse tempo passou há décadas. Os “políticos” que tomaram os “aparelhos” dos dois principais partidos tornaram-se profissionais da política e, curiosamente, muito pouco profissionais. O caminho deixou de ser feito através da profissão, da vida, do exemplo, do mérito, da sabedoria, do reconhecimento, e a via de entrada num parlamento ou num governo, ou em quaisquer outros altos cargos da administração, é quase exclusivamente através da escola partidária, alinhamentos internos, do xadrez onde se movem concelhias e distritais, do apoio que o chefe da ocasião recebe das suas tropas. Nos anos de democracia, o mérito, o conhecimento, o reconhecimento, o valor, deu lugar a amigos certos, à conquista do poder interno, à “confiança pessoal”, ao percurso feito para lá chegar como para se governar ou estar no parlamento fossem o justo prémio para uma vida “dedicada” ao partido. Mas um bom diretor de campanha, um fervoroso agitador de bandeiras, um chefe de claque para animar arruadas, um colador de cartazes e o assessor competente e dedicado não o torna, de forma automática, num competente chefe de gabinete, secretário de estado ou ministro. Com o tempo, a geração que fez o 25 de Abril foi sendo substituída pelos seus filhos, os filhos do 25 de Abril, sobre a qual vale a pena ler o artigo escrito em 2013 por Pedro Bidarra, psicólogo, pianista, publicitário, colunista e agora escritor, em 2013, mas que é bem atual e vale a pena transcrever, com a devida vénia: “Não confio na minha geração, nem para se governar a si própria. E temo pela que se segue. Somos quase todos filhos do 25 de Abril, mas uns são mais filhos do que outros. A geração que fez o 25 de Abril era filha do outro regime. Era filha da ditadura, da falta de liberdade, da pobre e permanente austeridade e da quarta classe antiga. Tinha crescido na contenção, na disciplina, na poupança e a saber (os que à escola tinham acesso) Português e Matemática. A minha geração era adolescente no 25 de Abril, o que sendo bom para a adolescência foi mau para a geração. Enquanto os mais velhos conheceram dois mundos – os que hoje são avós e saem à rua para comemorar ou ficam em casa a maldizer o dia em que lhes aconteceu uma revolução – nós nascemos logo num mundo de farra e festa, num mundo de sexo, drogas e rock & rol, num mundo de aulas sem faltas e de hooliganismo juvenil em tudo semelhante às claques futebolísticas, mas sob cores ideológicas e partidárias. O hedonismo foi-nos decretado como filosofia ainda não tínhamos barbas nem mamas. A grande descoberta da minha geração foi a opinião: a opinião como princípio e fim de tudo. Não a informação, o saber, os factos, os números. Não o fazer, o construir, o trabalhar, o ajudar. A opinião foi o deus da minha geração. Veio com a liberdade, e ainda bem, mas foi entregue por decreto a adolescentes e logo misturada com laxismo, falta de disciplina, irresponsabilidade e passagens administrativas. Eu acho que a minha geração é a geração do “eu acho”. É a que tem controlado o poder desde Durão Barroso. É a geração deste primeiro-ministro, do ministro das Finanças e do anterior primeiro-ministro. E dos principais diretores dos media. E do Bloco de Esquerda e do CDS. E dos empresários do parecer – que não do fazer. É uma geração que apenas teve sonhos de desfrute ao contrário da outra que sonhou com a liberdade, o desenvolvimento e a cidadania. É uma geração sem biblioteca, nem sala de aula, mas com muito RGA e café. É uma geração de amigos e conhecidos e compinchas e companheiros de copos e de praia. É a geração da adolescência sem fim. Eu sei do que falo porque faço parte desta geração. Uma geração feita para as artes, para a escrita, para a conversa, para a música e para a viagem. É uma geração de diletantes, de amadores e amantes. Foi feita para ser nova para sempre e, por isso, esgotou-se quando a juventude acabou. Deu bons músicos e atores, bons desportistas, bons artistas. E drogaditos. Mas não deu nenhum bom político, nem nenhum grande empresário. Talvez porque o hedonismo e a diletância, coisas boas para a escrita e para as artes, não sejam os melhores valores para atividades que necessitam de disciplina, trabalho, cultura e honestidade; valores, de algum modo, pouco pertinentes durante aqueles anos de festa. Eu não confio na minha geração, nem para se governar a ela própria, quanto mais para governar o país. Mas o pior é que temo pela que se segue. Uma geração que tem mais gente formada, muito mais gente educada, mas que tem como exemplos paternos Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates, Passos Coelho, António José Seguro, João Semedo e companhia (e António Costa). A geração que aí vem teve-nos como professores. Vai ser preciso um milagre. Ou então teremos de ressuscitar os velhos. Um milagre, lá está” …