Entre as pesquisas mais comuns feitas pelos usuários do Google há uma que se revela habitual: “Como ser feliz?” Porque, na verdade, nós estamos constantemente em busca da felicidade, procurando-a num relacionamento, numa carreira de sucesso, numa conquista, nas pequenas ou em grandes coisas, nos lugares certos e nos errados. Em regra, achamos que a felicidade anda sempre a reboque de uma condição económica boa e, por isso, fazemos tudo para “subir na vida, acumular riquezas e conquistar o poder, como certidão de garantia para se atingir essa tal felicidade. Mas o certo é que, se o dinheiro e o poder podem comprar muita coisa, facilitando (ou complicando) a vida, quase sempre estão longe de poder comprar a felicidade, pois essa não está à venda. Tem de se ganhar sem necessariamente ter em mão esses atributos. Se assim fosse, a maioria das pessoas de hoje era feliz se comparar o seu nível de vida com aquele que os portugueses tinham quando eu era criança.
Pensando bem, existe um mistério que não sei explicar quanto a esta questão. Nesse tempo distante, a maioria das pessoas era pobre, mas aquilo que se pode dizer verdadeiramente pobres. Quase nada tinham para comer e vestir. E para calçar? Na minha escola iam quase todos descalços, sendo eu um “privilegiado” ao ir de “chancas”, feitas com “sola” de madeira e couro duro na parte superior. Comia-se caldo mal adubado e broa, dia sim, dia sim, melhorando ao domingo com algum “presigo”. As calças duravam até já não se poderem remendar mais. As crianças não tinham brinquedos. Melhor, inventavam os seus brinquedos. Quando conseguia uma meia velha lá em casa, tínhamos bola ao enchê-la com trapos, porque uma bola de borracha era um luxo muito raro e só para alguns. E mesmo assim, os jogos com essa bola de trapos jogados num caminho de terra irregular, tinham uma alegria genuína e ficaram gravados nos nossos corações. Jogar ao peão, ao espeto ou ao “pica”, eram uma diversão constante, tal como passear livremente pelos campos e montes onde havia sempre algo para descobrir. Fomos crianças ricas e felizes, sem dinheiro nenhum. E ao olhar as crianças de hoje, que têm tudo o que pediram e até o que não pediram, que têm tudo o que precisam e daquilo que nunca vão precisar, porque será que são permanentemente insatisfeitas?
Enquanto antigamente “qualquer coisa” para comer era uma festa e não havia “não gosto”, hoje os pais veem-se e desejam-se para saber o que é que as crianças estão dispostas a comer pois apesar das muitas possibilidades, só querem o que lhes apetece. Mas o mesmo dilema se passa com os adultos obcecados em terem o que mais ninguém tem ou que só é acessível a alguns. Antes, as mulheres iam lavar a roupa numa presa de água, fizesse frio ou calor, e cantavam enquanto lavavam ou estendiam a roupa na erva. Iam sachar o milho em magotes, a troco de uma merenda, e passavam o dia a cantar. E a cantar faziam as desfolhadas, as novenas e até ao anoitecer à porta das casas humildes quando se juntavam três ou quatro vizinhas. Já a caminho das romarias iam a cantar e a dançar. Hoje alguém canta no trabalho? Que se saiba, a cantoria mais comum é uma insatisfação permanente com o custo de vida, a falta de tempo, a pressa para tudo acabando por se andar sempre atrasado, uma correria constante sem se saber bem para onde corremos. Porque achamos que só seremos felizes quando tivermos aquilo que não temos. Mas quem só será feliz com o que não tem, será feliz algum dia?
Hoje temos automóveis com que nem sequer sonhávamos nos nossos melhores sonhos e estamos insatisfeitos porque queremos um carro igual ou melhor do que o vizinho, o amigo ou um familiar! Temos os armários a abarrotar de roupa e há quem se arrogue em verbalizar “não tenho que vestir”, como se isso seja um drama, sem respeito por quem viveu, e vive, sem nada. Quem não é feliz com o que tem, não consegue ser feliz com coisa nenhuma. A insatisfação é permanente.
Ao olhar para trás não posso deixar de reconhecer que os momentos de felicidade mais preciosos não foram as grandes conquistas, mas as pequenas coisas, muitas vezes tidas como triviais ou normais, mas que nos encheram o coração. Não foram os mais ricos e nem sequer os mais poderosos onde encontrei as pessoas mais genuinamente felizes. Pelo contrário, foi sempre entre os pobres, porque sabiam valorizar cada pequena coisa que tinham, fosse um bem material ou virtual.
Há poucos dias contava-me um amigo que não fora trabalhar porque teve de ficar em casa a tomar conta dos seus dois filhos menores, algo que faz sempre com muito prazer apesar de, pela sua traquinice, não ser fácil. E, depois de conseguir que ficassem tranquilos a fazer cada um deles uma tarefa, dedicou-se a fazer o almoço pois a mulher estava a trabalhar. Enquanto cozinhava, abriu uma garrafa de vinho e foi saboreando, observando os filhos e dando atenção ao cozinhado, num momento perfeito de felicidade que diz não ter preço. Não sei porquê, mas enquanto ele me descrevia os pormenores desse seu momento, como em replay, relembrei-me dos muitos instantes em que ia deitar a Luísa e, ao retirá-la da cadeira de rodas, quando a levantava ela dava-me sempre um abraço e dizia “Obrigada”. Depois, sentava-a na cama e rodava-a enquanto a ia deitando, cobrindo-a como ela gostava. E então quase sempre me brindava com um “gosto muito de ti. És muito meu amigo”. E esses gestos e palavras tão simples, proporcionaram-me momentos únicos …
A expressão “a felicidade está nas coisas simples da vida” é a forma de dizer que ela não está em bens materiais, conquistas grandiosas ou eventos extraordinários, mas sim na apreciação dos momentos cotidianos e das pequenas coisas que nos rodeiam. É um convite a buscar a satisfação em momentos simples, como um abraço, um pôr do sol ou a companhia de alguém que amamos. Por isso, seria bom não perdermos a vida buscando por algo que já temos, só que ainda não demos conta …