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Pague agora e morra depois …

Por norma, hoje vive-se a crédito, às prestações, sem preocupações de maior porque se pode “morrer agora e pagar depois”, até porque, pagar na outra vida é, presumivelmente, mais fácil. E tudo é simples com o crédito facilitado porque os bancos e as casas de crédito vivem disso: emprestar dinheiro ou, melhor, vender dinheiro. Ora, o normal nos nossos dias é comprar quase tudo a crédito por conta do amanhã. No entanto há quem tenha descoberto um rico filão a vender e cobrar um serviço que só se recebe depois de morto: o “pague agora e morra depois”. Assim, já não é preciso estar às portas da morte para planear o fim de vida, querer escolher todos os pormenores das cerimónias fúnebres e deixá-los pagos, para que não seja uma preocupação nem encargos extras para os familiares.

Pois é verdade, há agências funerárias a vender o serviço de funeral ao próprio, o futuro morto, na modalidade de “pague agora e morra depois”. E se por cá ainda está a dar os primeiros passos, a verdade é que em alguns países como os Estados Unidos, a clientela já tem um peso muito significado no negócio, tanto por razões financeiras como emocionais no dizer das funerárias. Por um lado, compra-se o funeral ao preço de hoje, para um serviço que só será prestado no futuro, que pode ser mais ou menos distante, mas seguramente mais caro à data. Por outro, é o próprio “morto” quem define, negoceia e paga todos os pormenores do último evento social onde ele será a figura principal e onde deverão estar presentes os familiares, amigos mais próximos e até inimigos.

Com esta nova modalidade dá para escolher os detalhes, desde o tipo de madeira da urna (do pinho ao mogno), a sepultura, o jazigo ou a cremação, as flores, as pagelas, o livro de condolências, o carro e a música. Pode até incluir pedidos invulgares como passar o carro fúnebre num lugar onde foi feliz, seja a sua casa, o estádio do clube do seu coração ou da sua antiga escola. Tudo é uma questão do tamanho do rombo que se queira dar na conta bancária. Neste sistema de venda antecipada, o futuro morto deixa “tudo tratadinho” sem que fiquem assuntos delicados para quem cá fica, garantindo que as suas últimas vontades serão respeitadas. Há quem faça escolhas muito personalizadas como as flores – rosas vermelhas, o padre, a música – de Wagner, o fato, a camisa e até a gravata rosa.

As agências funerárias dispõem já de uma “ementa” vasta e variada para satisfazer os gostos de todo o tipo de “mortos” e já começaram a conquistar clientela. Dizia uma delas: “O meu funeral está pago e tive de preencher um papel com todas as minhas vontades. Quero que me vistam o vestido com mais brilhantes que eu tiver na altura, quero ser cremada e que coloquem as cinzas numa caixinha com muita purpurina. No trajeto até à igreja, vou de charrete com cavalos. Na cerimónia, não quero ninguém de preto”.

Por cá o negócio não tem avançado grande coisa porque, mais do que por uma questão cultural, terá a ver com o facto da Segurança Social comparticipar o funeral. E a maioria não quer perder o subsídio, nem mesmo depois de morto …                                                                                 Mas isto de “pague agora e morra depois” tem um grave problema que em Portugal ainda pode ser pior do que nos Estados Unidos: por lá, este negócio está-se transformando num pesadelo para muitas famílias americanas, que estão com “o coração nas mãos” ou melhor, com as mãos na carteira, ao verem o seu rico dinheirinho voar. Isso mesmo, pois lá como cá, também há “chico-espertos” e umas quantas agências funerárias não estão a honrar os compromissos assumidos com famílias de diversas regiões dos EUA. Um caso tem tido grande repercussão na imprensa, pois o novo proprietário de um “complexo” funerário de Memphis, anunciou que “nunca teve a intenção de cumprir os 13.500 funerais pagos antecipadamente”.

Ora, um golpe destes, já não deixa morrer tranquilamente todos os investidores antecipados em milhares de contratos funerários pré-pagos, que impunha à empresa encarregar-se de todos os detalhes de funerais, incluindo preparativos e decoração de velórios, igrejas, capelas e das residências dos contratantes. Mais do que uma afronta ao sentimento de centenas de milhares de norte-americanos, isto revelou a “ponta de um iceberg” que pode tornar-se num pesadelo para pessoas como um casal que já havia pago o seu funeral há 24 anos ao até então “respeitável complexo mortuário”. E, segundo um alto responsável americano no chamado “mercado da morte”, este caso está longe de ser um ato isolado. “Casos deste tipo estão a ser comuns, pois os diretores de várias funerárias desapareceram com o dinheiro pago antecipadamente”, lamentou. Ora, não havendo por lá um subsídio de funeral semelhante ao da nossa Segurança Social, os “mortos” com funeral pré-pago correm o risco de ficar à porta de casa à espera de quem nunca os virá buscar …

Cá para nós que ninguém nos ouve, a má experiência americana e as suas consequências devem ser um aviso à navegação nacional e aos potenciais interessados em “pagar agora e morrer depois”, mais ainda tendo em conta que se isto acontece lá onde a justiça costuma ter mão pesada, aqui isto pode ser um pouco pior pois, se acontecer mesmo, como todos sabemos, a nossa justiça ainda fará regressar cá os mortos para os obrigar a indemnizar as agências funerárias por não terem morrido antes delas falirem. E, para serem enterrados segunda vez, vai ser uma chatice, pois já não terão direito a um novo subsídio da Segurança Social …  

Quem os viu e quem os vê!

As crises políticas têm posto a nu o tipo de gente que nos governa e vamos continuar a vê-los na campanha eleitoral que está à porta, atirando-nos e jogando com emoções em vez de propostas sérias.

Em tempos idos, a nobre arte da política impunha que os cargos de governação, representação de eleitores e nomeação fossem ocupados por pessoas “honradas”. Mas a honra quase desapareceu e é, por estes dias, fora de moda. O conceito passou ser “interpretado” da forma que der mais jeito. Basta olhar para as bancadas parlamentares saídas das primeiras eleições livres e compará-las com as de hoje. O mesmo vale para os governos. O critério para os eleitos e nomeados era, antes de mais, de gente influente e com pensamento, vida profissional com provas dadas, respeito conquistado e autoridade reconhecida pelos demais. Não eram cidadãos modelo, porque não há pessoas perfeitas, mas eram homens e mulheres distintos, porque se distinguiam. A política e os cargos públicos eram vistos como missão e nunca como profissão, como tarefa e não como ocupação, como serviço e não como benefício. Esse tempo passou há décadas. Os “políticos” que tomaram os “aparelhos” dos dois principais partidos tornaram-se profissionais da política e, curiosamente, muito pouco profissionais. O caminho deixou de ser feito através da profissão, da vida, do exemplo, do mérito, da sabedoria, do reconhecimento, e a via de entrada num parlamento ou num governo, ou em quaisquer outros altos cargos da administração, é quase exclusivamente através da escola partidária, alinhamentos internos, do xadrez onde se movem concelhias e distritais, do apoio que o chefe da ocasião recebe das suas tropas. Nos anos de democracia, o mérito, o conhecimento, o reconhecimento, o valor, deu lugar a amigos certos, à conquista do poder interno, à “confiança pessoal”, ao percurso feito para lá chegar como para se governar ou estar no parlamento fossem o justo prémio para uma vida “dedicada” ao partido. Mas um bom diretor de campanha, um fervoroso agitador de bandeiras, um chefe de claque para animar arruadas, um colador de cartazes e o assessor competente e dedicado não o torna, de forma automática, num competente chefe de gabinete, secretário de estado ou ministro. Com o tempo, a geração que fez o 25 de Abril foi sendo substituída pelos seus filhos, os filhos do 25 de Abril, sobre a qual vale a pena ler o artigo escrito em 2013 por Pedro Bidarra, psicólogo, pianista, publicitário, colunista e agora escritor, em 2013, mas que é bem atual e vale a pena transcrever, com a devida vénia:                                                                                                                              “Não confio na minha geração, nem para se governar a si própria. E temo pela que se segue. Somos quase todos filhos do 25 de Abril, mas uns são mais filhos do que outros. A geração que fez o 25 de Abril era filha do outro regime. Era filha da ditadura, da falta de liberdade, da pobre e permanente austeridade e da quarta classe antiga. Tinha crescido na contenção, na disciplina, na poupança e a saber (os que à escola tinham acesso) Português e Matemática. A minha geração era adolescente no 25 de Abril, o que sendo bom para a adolescência foi mau para a geração. Enquanto os mais velhos conheceram dois mundos – os que hoje são avós e saem à rua para comemorar ou ficam em casa a maldizer o dia em que lhes aconteceu uma revolução – nós nascemos logo num mundo de farra e festa, num mundo de sexo, drogas e rock & rol, num mundo de aulas sem faltas e de hooliganismo juvenil em tudo semelhante às claques futebolísticas, mas sob cores ideológicas e partidárias. O hedonismo foi-nos decretado como filosofia ainda não tínhamos barbas nem mamas. A grande descoberta da minha geração foi a opinião: a opinião como princípio e fim de tudo. Não a informação, o saber, os factos, os números. Não o fazer, o construir, o trabalhar, o ajudar. A opinião foi o deus da minha geração. Veio com a liberdade, e ainda bem, mas foi entregue por decreto a adolescentes e logo misturada com laxismo, falta de disciplina, irresponsabilidade e passagens administrativas. Eu acho que a minha geração é a geração do “eu acho”. É a que tem controlado o poder desde Durão Barroso. É a geração deste primeiro-ministro, do ministro das Finanças e do anterior primeiro-ministro. E dos principais diretores dos media. E do Bloco de Esquerda e do CDS. E dos empresários do parecer – que não do fazer. É uma geração que apenas teve sonhos de desfrute ao contrário da outra que sonhou com a liberdade, o desenvolvimento e a cidadania. É uma geração sem biblioteca, nem sala de aula, mas com muito RGA e café. É uma geração de amigos e conhecidos e compinchas e companheiros de copos e de praia. É a geração da adolescência sem fim. Eu sei do que falo porque faço parte desta geração. Uma geração feita para as artes, para a escrita, para a conversa, para a música e para a viagem. É uma geração de diletantes, de amadores e amantes. Foi feita para ser nova para sempre e, por isso, esgotou-se quando a juventude acabou. Deu bons músicos e atores, bons desportistas, bons artistas. E drogaditos. Mas não deu nenhum bom político, nem nenhum grande empresário. Talvez porque o hedonismo e a diletância, coisas boas para a escrita e para as artes, não sejam os melhores valores para atividades que necessitam de disciplina, trabalho, cultura e honestidade; valores, de algum modo, pouco pertinentes durante aqueles anos de festa. Eu não confio na minha geração, nem para se governar a ela própria, quanto mais para governar o país. Mas o pior é que temo pela que se segue. Uma geração que tem mais gente formada, muito mais gente educada, mas que tem como exemplos paternos Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates, Passos Coelho, António José Seguro, João Semedo e companhia (e António Costa). A geração que aí vem teve-nos como professores. Vai ser preciso um milagre. Ou então teremos de ressuscitar os velhos. Um milagre, lá está” …