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A envelhecer se aprende e esquece!

Segundo a estatística, em Portugal há cerca de 2,5 milhões de pessoas com mais de 65 anos (um em cada quatro portugueses), a quem chamam reformados, idosos, seniores, sessenta mais e, como é natural, velhos. E também lhes chamam alguns nomes bem “menos simpáticos”, mas aos que o fazem “dá-se-lhes um desconto. Eu sou um elemento da estatística e não faço disso um problema até porque, mentalmente, ainda penso que sou muito mais novo, se bem que não seja nada fácil ter muita idade neste país. Ainda pensei que, para além dos descontos nos transportes públicos pudesse ter mais algumas benesses, a começar pela deferência e atenção de algumas pessoas mais novas na cedência do lugar sentado quando está tudo ocupado. Mas isso acontece tão, tão raramente, que já nem me lembro da última vez que vi alguém fazê-lo, embora não a mim que ainda tenho boas pernas. E rio-me para mim mesmo ao ver os olhares focados no telemóvel ou na paisagem só para fingir que não viram. Mas fingem tão mal …                                                                                                                    É comovente os ensinamentos que podemos colher da sabedoria dos idosos. Perguntaram a um aposentado que está já há alguns anos na reforma: “O que é que o senhor faz de especial na vida enquanto aposentado”? E ele, depois de pensar um pouco respondeu: “Eu tenho muita sorte de ser graduado em engenharia química e uma das coisas que mais me agrada fazer é transformar a cerveja, vinho e outras bebidas alcoólicas em urina. E estou a sair-me muito bem” …               Desde que tomei a decisão de me “reformar” da Instituição onde era dirigente voluntário, tenho-me movimentado mais noutros círculos onde encontro com muito maior frequência gente da minha idade e tem sido muito agradável retomar relações que a vida levou para caminhos diferentes. E desses encontros cheguei à conclusão de que, à medida que os anos passam, cada vez comemos menos, enquanto cada vez tomamos mais medicamentos. Alguns locais são ponto de encontro certo pois encontramos quase sempre amigos e conhecidos nos supermercados, velórios e funerais. Relembram-se tempos idos, amigos que se foram e, em muitos casos, relata-se o historial clínico com mais ou menos pormenor e que é recontado a cada encontro porque a memória recente vai-se e esquecemos o que fizemos hoje, onde deixamos o telemóvel, a chave do carro, o que íamos buscar, quando não um encontro ou acontecimento importante.                                                 Sejamos francos, envelhecer é uma merda! Quando achamos que já sabemos tudo, é quando começamos a esquecer, quando queremos saltar o muro é quando as pernas nos falham e quando pensávamos que éramos importantes é quando descobrimos que o mundo gira e continua a girar como se nunca tivéssemos existido. Mas, está claro, a alternativa ao envelhecer é muito pior …

Ao longo da vida enquanto envelhecemos aprendemos muitas coisas, mas só nos damos conta do valor de umas quantas muitos anos mais tarde. Aprendemos que um dos momentos mais pacíficos do mundo é ter uma criança adormecida nos braços. Aprendemos que um sorriso é a maneira mais barata de melhorar a nossa aparência, tal como aprendemos que ninguém é perfeito … até nos apaixonarmos por essa pessoa. Pessoalmente, aprendi também que gostaria de ter dito ao meu pai e meus dois irmãos que os amava, antes de eles morrerem prematuramente. 

Com o tempo, vamo-nos afastando das multidões barulhentas, das festas e dos eventos, não porque perdemos a vontade, mas porque aprendemos a escolher, aprendemos que não precisamos mais de estar em todos os lugares a sorrir o tempo todo. A gente aprende a não forçar a nossa presença onde o coração já não pulsa e, com a tranquilidade que antes não tínhamos, dizemos que “isso já não é para mim”. E quem ouve, às vezes sente pena, mas só quem chegou até aqui entende que não é tristeza, mas sim alívio e o sentimento de paz, de quem não precisa de provar mais nada.                                          Aprendemos ainda que o dinheiro é importante, que pode comprar muita coisa, mas que não compra classe. Pessoalmente, aprendi muito mais da vida com as pessoas humildes, que em milhentos pormenores me ensinaram muito sem pedirem nada em troca, coisa que não encontrei em certas cabeças importantes.                                                                                     Aprendemos que a vida é uma sucessão de perdas, desde o leite materno aos colegas da escola primária, dos amigos mais ou menos próximos aos familiares mais ou menos velhos. E que o tamanho da saudade e do sofrimento não se mede pela dimensão da manifestação pública dessa perda, mas pelo sentimento pessoal e íntimo de cada um que nem sempre traz lágrimas à mistura.                                    Quando olho para trás, recordo-me perfeitamente que, no momento seguinte ao ter acabado o meu curso, senti que não sabia nada e só me veio um pensamento à cabeça: “Agora estou mais preparado para aprender”. E foi o que fiz ao longo das seis décadas que se seguiram: Aprender, aprender, aprender. Mas a fase que se segue, certamente, é a do esquecimento, do que fiz, do que me disseram, do que aprendi, do que vi ou li, algo para o qual a medicina ainda não descobriu uma solução. E questiono-me: Será que morro antes de me esquecer quem sou ou esqueço-me de quem sou antes de morrer?