Monthly Archives: October 2025

Precisamos de ir ainda mais além …

Dia sim, dia sim, os casos acontecem, uns a seguir aos outros, cada dia mais chocantes. E ficamos a perguntar-nos: como isto é possível? Um casal morava numa das freguesias do nosso concelho e, por razões pessoais, teve de se mudar para o Algarve, carregando consigo a família, os móveis e os trastes. Mas, para trás deixou uma pequena cadela, abandonada à porta de casa como “lixo sem utilidade”. E o pequeno animal, fiel aos seus donos, ficou por ali à espera que eles regressassem, acreditando que eles não a trairiam e iam voltar como sempre voltaram. Mas eles não regressaram para a vir buscar, dar-lhe de comer e até brincar, embora ela permanecesse junto de casa, esperando. Como se não bastasse o abandono, os vizinhos sempre que a viam escorraçavam-na à pedrada, umas vezes sem lhe acertar, mas outras atingindo-a com mais ou menos gravidade. Numa das ocasiões, um deles conseguiu encurralá-la e deu-lhe pontapés atrás de pontapés até se fartar, criminosamente, para descarregar a sua fúria, raiva e a maldade escondida no ser humano. Até que, alguém consciente, dando conta do caso, comunicou-o a um responsável da Associação Lousada Animal, tendo de imediato duas voluntárias se deslocado ao local para recolher aquele pequeno animal indefeso. E depararam-se com uma cadelita extremamente dócil, ferida de lado, que se sentava e dava a pata tremendo toda nos quartos traseiros. Como sempre, foi conduzida à clínica veterinária onde foi observada, e tratada, ficando para mais tarde uma intervenção cirúrgica. Mas há histórias tristes que acabam por ter um final feliz e esta é uma delas, pois, felizmente, ainda há muitos humanos que trazem ao de cima o seu lado bom. Colocada a sua história e fotografia nas redes sociais, rapidamente uma família se dispôs a adotá-la, “agradecendo por poder vir a fazer parte da vida da cadelita”. Como esta, há centenas ou milhares de histórias que, na comparação entre os ditos “animais de estimação” e os seres humanos, nada dignificam estes. 

Quem vai a um canil público ou um abrigo privado de animais, ouve histórias atrás de histórias como a do rafeiro preto que os pais deram ao filho porque ele pediu muito, para um mês depois ser largado bem longe porque sujava a casa, roía a mobília e molhava ao redor do bebedouro. E dava trabalho. E outro, quando começou a dar despesa no veterinário. E muitos outros por largarem pelo que não deveriam ter. E por razões absurdas, de quem arranjou um animal por impulso sem pensar na responsabilidade que se assume (ou deveria assumir) quando se adota um. E abandona-se, ignorando o sofrimento desse animal – porque eles sofrem como nós – enchendo abrigos públicos e privados. Por isso, ao entrarmos num canil, ouvimos uma multidão de cães a ladrar atrás das grades e os seus olhos dizem o que sentem: que precisam de uma casa, de um dono que lhes dê afeto e cuidados. E que não os traia. Porque se eles pudessem escrever as suas crónicas como eu, que diriam? 

Como sociedade, evoluímos muito no cuidar dos nossos animais, mas ainda temos muito caminho a percorrer. Ainda há quem pense que, por dar comida e água a um animal já o está a tratar bem. Será? Às vezes passava por um determinado local onde há um terreno vedado. Amarrado a um cadeado preso com uma argola a uma verguinha de ferro com seis metros de comprimento estava um cão. Podia andar de um lado para o outro nessa distância de seis metros, fazendo deslocar a argola e o cadeado que o prendia, mas nada mais que isso. Tinha alguma comida que o dono lhe deitava na pia, quando lá ia, dia sim dia não, ou de dois em dois, três em três dias ou mais. Ninguém mais. E tinha um bidão velho, ferrugento, como abrigo, para não apanhar com a chuva toda quando chovia. Imagino a solidão do pobre animal. Sendo uma criatura sociável, não gostava de viver sozinho. Mas o dono pensava que ele estava bem tratado, se pensava. Então, o que pensaria o dono se fosse acorrentado a uma parede, dia após dia, tendo de urinar e defecar a poucos metros do lugar onde dormia, convivendo dia e noite com o cheiro das fezes e da urina (e o olfato deles é muito mais sensível)? Em qualquer parte do mundo seria considerado desumano. 

Todos (ou quase todos) consideram bonito ter um animal de estimação. Como qualquer ser vivo, necessitam de cuidados e carinho. E depois? Muitos são maltratados e votados ao abandono em estado crítico, debilitados, com ferimentos graves ou completamente fragilizados. Então, há os que são recolhidos pelos serviços públicos, porque têm a obrigação, e por voluntários, porque têm vocação e devoção à causa. E recebem cuidados adequados e a chance de voltar a acreditar nos seres humanos. E os restantes?

Para irmos mais além, precisamos de duas coisas: por um lado, como os animais não podem falar nem comunicar, que cada um fale e comunique por eles, denunciando sempre que souber ou presenciar alguma cena de maus-tratos a qualquer tipo de animal. Por outro, os voluntários e suas associações precisam da ajuda de todas as pessoas comprometidas, através de doações em dinheiro, rações, tapetes higiénicos, medicamentos, produtos de limpeza, caminhas, etc. E há sempre lugar para mais voluntários. E, no caso da Associação Lousada Animal, de famílias de acolhimento temporário para animais recolhidos até à adoção, por não dispor de abrigo. É que, cada gesto de solidariedade representa uma nova chance para um animal que sofreu, mas que ainda merece conhecer o verdadeiro significado de cuidado e pertencimento. E que ainda há um lado humano entre os humanos …Dia sim, dia sim, os casos acontecem, uns a seguir aos outros, cada dia mais chocantes. E ficamos a perguntar-nos: como isto é possível? Um casal morava numa das freguesias do nosso concelho e, por razões pessoais, teve de se mudar para o Algarve, carregando consigo a família, os móveis e os trastes. Mas, para trás deixou uma pequena cadela, abandonada à porta de casa como “lixo sem utilidade”. E o pequeno animal, fiel aos seus donos, ficou por ali à espera que eles regressassem, acreditando que eles não a trairiam e iam voltar como sempre voltaram. Mas eles não regressaram para a vir buscar, dar-lhe de comer e até brincar, embora ela permanecesse junto de casa, esperando. Como se não bastasse o abandono, os vizinhos sempre que a viam escorraçavam-na à pedrada, umas vezes sem lhe acertar, mas outras atingindo-a com mais ou menos gravidade. Numa das ocasiões, um deles conseguiu encurralá-la e deu-lhe pontapés atrás de pontapés até se fartar, criminosamente, para descarregar a sua fúria, raiva e a maldade escondida no ser humano. Até que, alguém consciente, dando conta do caso, comunicou-o a um responsável da Associação Lousada Animal, tendo de imediato duas voluntárias se deslocado ao local para recolher aquele pequeno animal indefeso. E depararam-se com uma cadelita extremamente dócil, ferida de lado, que se sentava e dava a pata tremendo toda nos quartos traseiros. Como sempre, foi conduzida à clínica veterinária onde foi observada, e tratada, ficando para mais tarde uma intervenção cirúrgica. Mas há histórias tristes que acabam por ter um final feliz e esta é uma delas, pois, felizmente, ainda há muitos humanos que trazem ao de cima o seu lado bom. Colocada a sua história e fotografia nas redes sociais, rapidamente uma família se dispôs a adotá-la, “agradecendo por poder vir a fazer parte da vida da cadelita”. Como esta, há centenas ou milhares de histórias que, na comparação entre os ditos “animais de estimação” e os seres humanos, nada dignificam estes. 

Quem vai a um canil público ou um abrigo privado de animais, ouve histórias atrás de histórias como a do rafeiro preto que os pais deram ao filho porque ele pediu muito, para um mês depois ser largado bem longe porque sujava a casa, roía a mobília e molhava ao redor do bebedouro. E dava trabalho. E outro, quando começou a dar despesa no veterinário. E muitos outros por largarem pelo que não deveriam ter. E por razões absurdas, de quem arranjou um animal por impulso sem pensar na responsabilidade que se assume (ou deveria assumir) quando se adota um. E abandona-se, ignorando o sofrimento desse animal – porque eles sofrem como nós – enchendo abrigos públicos e privados. Por isso, ao entrarmos num canil, ouvimos uma multidão de cães a ladrar atrás das grades e os seus olhos dizem o que sentem: que precisam de uma casa, de um dono que lhes dê afeto e cuidados. E que não os traia. Porque se eles pudessem escrever as suas crónicas como eu, que diriam? 

Como sociedade, evoluímos muito no cuidar dos nossos animais, mas ainda temos muito caminho a percorrer. Ainda há quem pense que, por dar comida e água a um animal já o está a tratar bem. Será? Às vezes passava por um determinado local onde há um terreno vedado. Amarrado a um cadeado preso com uma argola a uma verguinha de ferro com seis metros de comprimento estava um cão. Podia andar de um lado para o outro nessa distância de seis metros, fazendo deslocar a argola e o cadeado que o prendia, mas nada mais que isso. Tinha alguma comida que o dono lhe deitava na pia, quando lá ia, dia sim dia não, ou de dois em dois, três em três dias ou mais. Ninguém mais. E tinha um bidão velho, ferrugento, como abrigo, para não apanhar com a chuva toda quando chovia. Imagino a solidão do pobre animal. Sendo uma criatura sociável, não gostava de viver sozinho. Mas o dono pensava que ele estava bem tratado, se pensava. Então, o que pensaria o dono se fosse acorrentado a uma parede, dia após dia, tendo de urinar e defecar a poucos metros do lugar onde dormia, convivendo dia e noite com o cheiro das fezes e da urina (e o olfato deles é muito mais sensível)? Em qualquer parte do mundo seria considerado desumano. 

Todos (ou quase todos) consideram bonito ter um animal de estimação. Como qualquer ser vivo, necessitam de cuidados e carinho. E depois? Muitos são maltratados e votados ao abandono em estado crítico, debilitados, com ferimentos graves ou completamente fragilizados. Então, há os que são recolhidos pelos serviços públicos, porque têm a obrigação, e por voluntários, porque têm vocação e devoção à causa. E recebem cuidados adequados e a chance de voltar a acreditar nos seres humanos. E os restantes?

Para irmos mais além, precisamos de duas coisas: por um lado, como os animais não podem falar nem comunicar, que cada um fale e comunique por eles, denunciando sempre que souber ou presenciar alguma cena de maus-tratos a qualquer tipo de animal. Por outro, os voluntários e suas associações precisam da ajuda de todas as pessoas comprometidas, através de doações em dinheiro, rações, tapetes higiénicos, medicamentos, produtos de limpeza, caminhas, etc. E há sempre lugar para mais voluntários. E, no caso da Associação Lousada Animal, de famílias de acolhimento temporário para animais recolhidos até à adoção, por não dispor de abrigo. É que, cada gesto de solidariedade representa uma nova chance para um animal que sofreu, mas que ainda merece conhecer o verdadeiro significado de cuidado e pertencimento. E que ainda há um lado humano entre os humanos …

Um pedido: COntinua essa nobre missão!

No centro de Lousada junto às bombas da Repsol, um carro travou e parou, fazendo parar os carros que o precediam. O condutor abriu o vidro da janela, pôs o braço de fora com uma gata na mão e, para surpresa de quem via, jogou-a para a frente do seu carro e arrancou em grande velocidade, passando-lhe por cima ante a incredibilidade de quem via . Por mero acaso, num dos carros da fila havia uma voluntária da Associação Lousada Animal que saiu em socorro da gata, percebendo que ainda estava viva e que, além de ferida, estava muito doente e débil, tendo-a levado de imediato para uma das clínicas com quem a Associação tem parceria.  O seu estado era tal que, antes de a operar, tiveram de a tratar primeiro da doença para poder aguentar a cirurgia, tendo conseguido salvar-lhe a vida. Depois de curada fisicamente, foi parar a casa da Teresa, uma fundadora, dirigente e voluntária das mais ativas da Associação, como “família de acolhimento”, para completar a recuperação em resultado do trauma sofrido. A convalescença foi excelente e a gata ao fim de algum tempo já deixava a Teresa pegá-la ao colo, acariciá-la, brincar com ela e até ronronava de satisfação. 

Um dia, ao abrir a porta do jardim pela manhã, a gata aproveitou e fugiu para o exterior que não conhecia por estar confinada dentro de casa. Teresa foi logo atrás dela, mas a gata foi-lhe escapando até a conseguir agarrar em cima do muro. Mas, ao dirigir-se para casa, ela esperneou e quando Teresa a poisou no solo, foi atacada pela gata, esgadanhando-a com as patas e mordendo onde podia. Só ao fim de algum tempo, com auxílio de uma rede e depois de muitos arranhões nos braços e mãos e várias mordidas nos dedos, é que conseguiu levá-la, mas com braços e mãos a sangrar. Ao fim do dia a sua mão direita, em especial o indicador, tinha sinais evidentes de infeção, o que a fez deslocar-se a um Centro de Saúde para ser observada e tratada com antibiótico para combater a infeção. Aí começou um longo calvário ao longo de vários meses que a fez passar por um médico que, depois de lhe lancetar o dedo infetado para retirar todo o pus e tratar, a aconselhou a ser vista por um cirurgião ortopédico, o que viria a acontecer, tendo-a ele operado sob fortes reservas pois, à partida, ia com a intenção de lhe amputar o dedo. Depois de várias semanas com a mão empalada, 2 ferros enfiados no interior, da ponta do dedo à base, de mais de 60 dias a antibiótico e muitas dores, com recuperação longa a necessitar de fisioterapia e a certeza que as duas falanges do indicador ficarão unidas para sempre sem capacidade de flexão, Teresa não sabe quais as consequências finais de todo este incidente, físicas e psicológicas, com uma gata que não era sua, mas por quem lutou e tudo fez para salvar e recuperar plenamente.

A partir do momento do incidente, Teresa passou de maior amiga a maior inimiga da gata Camila, numa regressão enorme do processo de recuperação e em função do avivar de traumas passados. Mas não desistiu dela e continuou a fazer tudo para a recuperar e encontrar a pessoa adequada para a adotar, tendo conseguido escolher alguém que desde o início se interessou pela sua história e pelo drama de mais um animal doméstico agredido nos seus direitos, nas palavras da Teresa “a pessoa certa para a cuidar e compensar do que sofreu pela maldade humana”.

Teresa tem sido excecional na sua dedicação à defesa dos animais e, já agora para os críticos destas pessoas, à defesa e ajuda de pessoas em situação difícil, tendo participado com outros voluntários no salvamento, recuperação e adoção de centenas de animais nestes cerca de 10 anos de Associação o que, para quem tem recursos muito escassos porque vive de donativos, é obra digna de ser respeitada e elogiada. E a ela cabe uma boa quota de trabalho e responsabilidade por esse sucesso. No entanto, as consequências do incidente para a Teresa foram enormes. Uma das mordidas da gata perfurou a cápsula da articulação e infetou-a de tal forma que um dos ortopedistas não acreditava que fosse possível salvar-lhe o dedo que já parecia estar a gangrenar. Em consequência do uso de tantos antibióticos, as unhas tendem a descolar e deverão acabar por sair. Depois de muitos meses de recuperação física, não se sabe como vai reagir emocionalmente e quais as consequências psicológicas pelo sofrimento e limitações com que ficou provocadas involuntariamente por um animal que ajudou a salvar. 

Quando penso no que aconteceu à Teresa e ao saber que todo o seu sofrimento físico e psicológico a tem feito pensar abandonar a Associação e essa nobre missão a que se tem dedicado com alma, coração, muito empenho e sucesso, fico a pensar que, para contrabalançar, seria suficiente que ela colocasse no outro prato da balança a alegria e satisfação pessoal que certamente teve ao longo destes anos por cada um dos muitos casos bem-sucedidos e que resultaram na salvação, adoção e bem-estar de tantos animais, algo que não tem preço e justifica, só por si, todos os sacrifícios. E ao pensar que muitos desses animais, para além de abandonados pelos donos, foram criminosa e violentamente mal tratados, muitos deles de forma selvagem como o foi a gata Camila desta história verídica, não só foram recuperados, como tiveram um final feliz ao ser adotados por uma família selecionada, que lhes deu um lar e a conhecer o lado bom dos seres humanos, peço a Deus e a todos aqueles que conhecem o seu trabalho voluntário, que não a deixem desistir dessa nobre missão de salvar animais. Porque se soubermos cuidar deles, dão-nos mais do que recebem … 

Da ”besta” que conduzia o automóvel nada mais se soube, mas de uma coisa tenho a certeza: é um animal muito mais irracional do que a gata que quis matar na via pública, num miserável espetáculo … 

A política como “Serviço Público” …

A proximidade de mais um ato eleitoral para as autarquias traz-me à memória umas quantas recordações dos primeiros anos após a revolução de Abril e das ilusões que tinha acerca da democracia. E uma dessas muitas ilusões era de que, todos nós, deveríamos dar à sociedade o nosso contributo para a construção do bem comum, concedendo de forma gratuita e desinteressada uma parte do nosso tempo. Numa boa dose de santa inocência, achei que a política como “serviço público” era um desses exercícios e, por isso, os cargos políticos até um certo nível deveriam ser “um trabalho voluntário” e, como tal, gratuitos. Mas o tempo haveria de me tirar todas as ilusões nesse campo e afastar por completo da atividade política. Percebi isso à medida que os partidos e a política foram sendo assaltados por gente com outros interesses que não o bem comum, até chegar o momento de dizer “para mim basta”. Nesse processo de rotura perdi o meu melhor amigo de então, que não quis entender o porquê do meu afastamento. O certo é que o tempo me daria razão e todos nós assistimos à forma como “governaram a vida” toda uma legião de gente através dos mais diversos poderes, desde simples presidentes da junta (que vieram substituir os antigos “regedores” de quem se dizia “que eram abaixo de cão 3 vezes”, mas não tinham salário), vereadores e, claro está, presidentes de câmara, até responsáveis dos maiores cargos públicos (com alguns a contas com a justiça em processos intermináveis que se arrastam penosamente pelos tribunais, talvez à espera da prescrição), degradando de forma arrasadora a imagem dos políticos e deixando caminho aberto ao populismo e extremismos para onde caminhamos a passos largos. Desse meu sonho, encontrei entre outros, dois políticos que personificam ideais que, por muito que me custe dizê-lo, nunca iremos alcançar.

Ingvar Carlsson é reformado e vive num andar térreo de 82 m2 de um condomínio popular na Suécia, com uma sala atolada de livros e recordações, um escritório modesto, um quarto de dormir simples e uma cozinha junto do hall de entrada. Ali não há máquinas de lavar roupa, porque a lavandaria é comunitária, sendo gerida por todos os moradores do condomínio. Também não há empregados na casa. É o próprio Carlsson que faz as tarefas domésticas com a mulher, como cozinhar, lavar e passar, além de limpar a neve da entrada. Ainda hoje usa o autocarro, meio de transporte que sempre usou quando ia para o seu trabalho. E o que tem isto de especial? É que Carlsson foi várias vezes ministro da Suécia e duas vezes primeiro-ministro, havendo participado nas decisões que desenvolveram a Suécia e o estado de bem-estar social, tendo-a levado de país pobre e desigual a um dos países mais ricos e igualitários do mundo. Hoje continua a viver no mesmo apartamento em que vivia antes de ser ministro. Questionado porque não tem direito a carro, motorista, guarda-costas e a outras mordomias como em muitos outros países mais pobres, ele sorri e diz: “Um político deve praticar o que prega. Não se pode fazer belos discursos, mas usar o carro presidencial, pois isso afeta a confiança dos cidadãos nos políticos e no próprio sistema político e tem sérias consequências para a democracia. A Suécia trata os seus políticos como qualquer outro cidadão”. Ele diz que não tem qualquer tipo de privilégio. Como todos os outros trabalhadores tem apenas a sua pensão de reforma.

 “Represento os cidadãos e não tenho nenhum interesse nem nenhum direito de viver uma vida de luxo como político. A construção de uma democracia ética é responsabilidade de todos. A democracia é o melhor sistema político, mas cabe-nos a responsabilidade de dar o exemplo”. Para ele, “a participação política não é um caminho glamoroso, mas é assim que se constrói uma sociedade democrática”.

José Mujica era tido como “o presidente mais pobre do mundo”. O ex-presidente do Uruguai vivia com apenas 10% do seu ordenado, doando todo o resto. Dizia ele que “as repúblicas não vieram ao mundo para estabelecer novas cortes monárquicas. As repúblicas nasceram para dizer que somos todos iguais. E, entre os iguais, estão os governantes”. Para ele, “não somos uns mais iguais que outros”. Sempre que o questionavam por ser o presidente mais pobre do mundo, no seu jeito habitual respondia: “Chamam-me o presidente mais pobre do mundo, mas eu não sou um presidente pobre. Pessoas pobres são aquelas que precisam sempre de mais, aquelas que nunca têm o suficiente, porque estão num ciclo infinito. Sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo apenas com o suficiente para que as coisas não me roubem a minha liberdade”.

Quando lhe perguntavam porque não tinha avião presidencial, dava uma outra opção: “Avião e helicóptero, são para salvar vidas. Porquê, nós políticos, temos de viver como a maioria e não viver como uma minoria?” Enquanto foi presidente do Uruguai continuou a viver na sua “chacara”, um pedaço de terra onde cultivava seus legumes, com uma velha casa de 50 metros quadrados, deslocando-se no seu velho “carocha” de 1986.

Costumava dizer que “a humanidade sacrificou os deuses imateriais e ocupou o templo com o “deus mercado” que organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir, consumir. E quando não podemos, carregamos frustrações, pobreza e autoexclusão. Dizia ainda: “A vida escapa-se e vai-se minuto a minuto e não podemos ir ao supermercado comprar mais vida. Então, lutem para vivê-la”.

Numa visão filosófica diz que “arrasamos as selvas e implementamos selvas anónimas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insónia com comprimidos e a solidão com tecnologia, porque somos felizes longe da convivência humana”, além de que “o poder não muda as pessoas, apenas revela quem realmente são”. 

Será que algum destes dois homens teria lugar entre os eleitos cá do nosso “bairro”?