Monthly Archives: October 2025

A política como “Serviço Público” …

A proximidade de mais um ato eleitoral para as autarquias traz-me à memória umas quantas recordações dos primeiros anos após a revolução de Abril e das ilusões que tinha acerca da democracia. E uma dessas muitas ilusões era de que, todos nós, deveríamos dar à sociedade o nosso contributo para a construção do bem comum, concedendo de forma gratuita e desinteressada uma parte do nosso tempo. Numa boa dose de santa inocência, achei que a política como “serviço público” era um desses exercícios e, por isso, os cargos políticos até um certo nível deveriam ser “um trabalho voluntário” e, como tal, gratuitos. Mas o tempo haveria de me tirar todas as ilusões nesse campo e afastar por completo da atividade política. Percebi isso à medida que os partidos e a política foram sendo assaltados por gente com outros interesses que não o bem comum, até chegar o momento de dizer “para mim basta”. Nesse processo de rotura perdi o meu melhor amigo de então, que não quis entender o porquê do meu afastamento. O certo é que o tempo me daria razão e todos nós assistimos à forma como “governaram a vida” toda uma legião de gente através dos mais diversos poderes, desde simples presidentes da junta (que vieram substituir os antigos “regedores” de quem se dizia “que eram abaixo de cão 3 vezes”, mas não tinham salário), vereadores e, claro está, presidentes de câmara, até responsáveis dos maiores cargos públicos (com alguns a contas com a justiça em processos intermináveis que se arrastam penosamente pelos tribunais, talvez à espera da prescrição), degradando de forma arrasadora a imagem dos políticos e deixando caminho aberto ao populismo e extremismos para onde caminhamos a passos largos. Desse meu sonho, encontrei entre outros, dois políticos que personificam ideais que, por muito que me custe dizê-lo, nunca iremos alcançar.

Ingvar Carlsson é reformado e vive num andar térreo de 82 m2 de um condomínio popular na Suécia, com uma sala atolada de livros e recordações, um escritório modesto, um quarto de dormir simples e uma cozinha junto do hall de entrada. Ali não há máquinas de lavar roupa, porque a lavandaria é comunitária, sendo gerida por todos os moradores do condomínio. Também não há empregados na casa. É o próprio Carlsson que faz as tarefas domésticas com a mulher, como cozinhar, lavar e passar, além de limpar a neve da entrada. Ainda hoje usa o autocarro, meio de transporte que sempre usou quando ia para o seu trabalho. E o que tem isto de especial? É que Carlsson foi várias vezes ministro da Suécia e duas vezes primeiro-ministro, havendo participado nas decisões que desenvolveram a Suécia e o estado de bem-estar social, tendo-a levado de país pobre e desigual a um dos países mais ricos e igualitários do mundo. Hoje continua a viver no mesmo apartamento em que vivia antes de ser ministro. Questionado porque não tem direito a carro, motorista, guarda-costas e a outras mordomias como em muitos outros países mais pobres, ele sorri e diz: “Um político deve praticar o que prega. Não se pode fazer belos discursos, mas usar o carro presidencial, pois isso afeta a confiança dos cidadãos nos políticos e no próprio sistema político e tem sérias consequências para a democracia. A Suécia trata os seus políticos como qualquer outro cidadão”. Ele diz que não tem qualquer tipo de privilégio. Como todos os outros trabalhadores tem apenas a sua pensão de reforma.

 “Represento os cidadãos e não tenho nenhum interesse nem nenhum direito de viver uma vida de luxo como político. A construção de uma democracia ética é responsabilidade de todos. A democracia é o melhor sistema político, mas cabe-nos a responsabilidade de dar o exemplo”. Para ele, “a participação política não é um caminho glamoroso, mas é assim que se constrói uma sociedade democrática”.

José Mujica era tido como “o presidente mais pobre do mundo”. O ex-presidente do Uruguai vivia com apenas 10% do seu ordenado, doando todo o resto. Dizia ele que “as repúblicas não vieram ao mundo para estabelecer novas cortes monárquicas. As repúblicas nasceram para dizer que somos todos iguais. E, entre os iguais, estão os governantes”. Para ele, “não somos uns mais iguais que outros”. Sempre que o questionavam por ser o presidente mais pobre do mundo, no seu jeito habitual respondia: “Chamam-me o presidente mais pobre do mundo, mas eu não sou um presidente pobre. Pessoas pobres são aquelas que precisam sempre de mais, aquelas que nunca têm o suficiente, porque estão num ciclo infinito. Sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo apenas com o suficiente para que as coisas não me roubem a minha liberdade”.

Quando lhe perguntavam porque não tinha avião presidencial, dava uma outra opção: “Avião e helicóptero, são para salvar vidas. Porquê, nós políticos, temos de viver como a maioria e não viver como uma minoria?” Enquanto foi presidente do Uruguai continuou a viver na sua “chacara”, um pedaço de terra onde cultivava seus legumes, com uma velha casa de 50 metros quadrados, deslocando-se no seu velho “carocha” de 1986.

Costumava dizer que “a humanidade sacrificou os deuses imateriais e ocupou o templo com o “deus mercado” que organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir, consumir. E quando não podemos, carregamos frustrações, pobreza e autoexclusão. Dizia ainda: “A vida escapa-se e vai-se minuto a minuto e não podemos ir ao supermercado comprar mais vida. Então, lutem para vivê-la”.

Numa visão filosófica diz que “arrasamos as selvas e implementamos selvas anónimas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insónia com comprimidos e a solidão com tecnologia, porque somos felizes longe da convivência humana”, além de que “o poder não muda as pessoas, apenas revela quem realmente são”. 

Será que algum destes dois homens teria lugar entre os eleitos cá do nosso “bairro”?