Justiça com compaixão e humanidade

O ritmo dos dias e desta vida agitada em que toda a gente tem pressa e o tempo lhe falta porque acha que tem de fazer tudo e mais alguma coisa, leva-nos a ter de acompanhar a passada da tecnologia e, muitas vezes, a cumprir regras e tarefas esquecendo que estamos a lidar com pessoas que têm problemas diversos como todos nós. E, nessa forma de agir, desumanizamo-nos. Mas, de vez em quando, surge no meio da multidão alguém que se levanta acima do cidadão comum e age como ser humano que se interessa verdadeiramente pelos outros. Imaginemos um juiz que, diante de cada caso, não veja somente números, infrações e a lei, mas histórias de vida. Alguém que, em vez de aplicar a lei friamente, ouvia, sorria, aconselhava e até perdoava. É real, esse juiz existiu e o mundo conheceu-o como Juiz Frank Caprio, “o juiz mais gentil do mundo” e morreu há poucos dias, conhecido mundialmente pela capacidade de unir Justiça com Misericórdia. Aos 88 anos, a sua partida não deixou apenas uma cidade de luto, Providence, nos Estados Unidos, mas milhões de pessoas que se reviam na sua forma humana e compassiva de lidar com a lei. Uma das histórias mais marcantes foi a de um homem de 96 anos que levou uma multa por excesso de velocidade. O senhor Coella contou ao juiz que seguia devagar e estava a levar o filho deficiente a exames ao sangue relacionados com tratamentos oncológicos. O juiz, visivelmente emocionado, elogiou aquele pai pela sua dedicação e compromisso com a família apesar da sua idade avançada, livrando-o da acusação. 

Amado pela sua compaixão, humildade e crença inabalável na bondade das pessoas, o juiz Caprio tocou a vida de milhões de pessoas através do seu trabalho no tribunal e fora dele. O seu calor, humor e gentileza deixaram uma marca em todos aqueles que o conheceram. Como juiz no Tribunal Municipal de Providence, julgava infrações de trânsito e pequenos crimes de reduzido potencial ofensivo, mas a sua forma “menos institucional” de resolver os seus processos teve tal repercussão que o seu irmão começou a filmar as sessões no tribunal para mais tarde serem transmitidas em programa televisivo regional e depois nacional e mundial e, daí, saltarem para as redes sociais, tendo feito dele uma celebridade.                                    São inúmeros os casos de decisões “fora da caixa”, que sensibilizam: A um homem de meia-idade acusado de estacionar mal o carro e não pagar a multa, o juiz perguntou quem era a criança que estava com ele, tendo-lhe ele dito que era o seu filho Jacob. Então o juiz chamou-o: “Olha Jacob, vem daí ajudar-me com este caso porque estou com dificuldades em resolvê-lo”. E sentou o rapaz loirinho, de cinco anos, perto de si, dizendo-lhe: “Tenho três opções: multar o teu pai em 90 dólares, 3º dólares ou não o multar. O que devo fazer”? O miúdo decidiu-se pelos 30 dólares. Mas o juiz teve outra ideia: “Vou fazer um acordo com o teu pai: se ele te levar a tomar um bom pequeno-almoço eu deixo cair a multa”. E assim ficou. Noutro caso de um condutor apanhado em excesso de velocidade, ao perguntar ao filho do acusado se o pai era culpado ou inocente, o miúdo respondeu com um “culpado”, mas o juiz foi pela outra sugestão. Já uma mulher acusada de várias infrações de trânsito seguidas, justificou-se dizendo que teve de passar vários sinais vermelhos porque estava a ser perseguida por uma pessoa de quem era vítima de violência doméstica. Então, Caprio disse que recebia com frequência cheques de pessoas anónimas para ajudar outras pessoas e passou-lhe três deles, tendo ela agradecido e perguntado se lhe podia dar um abraço, ao que ele anuiu.     Num dos episódios mais conhecidos mostra Caprio diante de uma mãe que acumulava multas porque precisava levar os filhos à escola em horários difíceis. Em vez de condená-la, ele compreendeu a situação, reduziu a penalidade e, com palavras de incentivo, ofereceu algo muito maior do que a anulação de uma dívida: ofereceu dignidade. Casos como este tornaram-se marcas do seu legado.

A história de Frank Caprio mostra que ser autoridade não tem de significar distância ou frieza. Em vez disso, ele ouvia as histórias, considerava as dificuldades pessoais e avaliava cada situação com olhar humano. Pelo contrário: ele demonstrou que a autoridade verdadeira é aquela que se aproxima, que escuta, que é capaz de se ajoelhar diante da fragilidade humana. Seus vídeos continuarão a ser vistos pelas novas gerações que talvez nunca tenham entrado num tribunal, mas que aprendem e aprenderão com ele, que a justiça mais transformadora nasce da compaixão. Num mundo marcado por discursos duros, ódios, divisões e intolerância, Caprio destacou-se justamente por escolher outro caminho. A sua simplicidade, o seu jeito de falar com crianças, idosos, mães de família ou trabalhadores comuns revelava uma grande lição: a lei deve servir ao ser humano e não o contrário.

Na lógica fria da lei, uma multa pode parecer apenas um número. Mas na lógica da compaixão, cada caso tem rosto, nome e história. Caprio entendia isso e mostrava ao mundo que justiça e misericórdia não são conceitos opostos. Pelo contrário: quando caminham juntos, revelam a grandeza da verdadeira humanidade.