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Avós: O último recurso, mas …

Joana e o marido estão reformados há mais de uma década e ambos estão muito perto dos oitenta anos de idade, a gozar uma merecida reforma na sua moradia. São avós, ele dedica-se ao jardim, ao quintal e ao serviço de manutenção da casa e ela à cozinha e ao lar. E ao neto. Logo de manhã, bem cedo, chega a filha de carro com a criança ainda de pijama e a avó já tem preparado o pequeno-almoço para os dois, o almoço para a filha levar e a cama para o neto acabar de dormir um sono que lhe foi interrompido. Durante o dia aquela avó tem quase todo o seu tempo dedicado ao pequenote, como cuidadora a tempo inteiro. Ao fim da tarde, já com o neto de barriga cheia, volta a filha do trabalho para levar o miúdo para casa já com o pijama vestido e o jantar para si e para o marido. E este ciclo repete-se nos dias seguintes, nos outros dias da semana, dos meses e de anos. 

A incorporação efetiva da mulher no mercado de trabalho para sua autorrealização e, claro, para melhorar o orçamento de casa, gerou uma série de necessidades no contexto familiar, tanto afetivo quanto de responsabilidade em relação às crianças. Com esta nova estrutura familiar, os avós passaram a ter o papel de cuidadores e, muito mais, pois assumem o papel principal no desenvolvimento pessoal e emocional dos netos. Eles chegam ao mesmo nível dos próprios pais e o seu apoio é fundamental para o funcionamento da sociedade. São uma figura comum na porta das escolas e nos parques de todas as vilas e cidades. Cuidam de seus netos durante muitas horas enquanto os pais trabalham. A impossibilidade de conciliar a vida familiar com o horário de trabalho ligada à falta de recursos e de assistência social para as crianças, levam as famílias a contar com os avós como uma rede de apoio, a mais importante para cuidar dos netos.

Mas a utilização deste “recurso” para resolver uma necessidade da família, pode trazer problemas que importa salvaguardar e clarificar desde o princípio, para que não haja mais prejuízos do que vantagens que, quase sempre, não são previamente ponderadas. O aumento da esperança de vida e o envelhecimento ativo, fazem com que os idosos tenham uma qualidade de vida cada vez melhor. Ora, avós autónomos que convivem, viajam e têm vida própria, poderão ter dificuldades de assumir a função de cuidar dos netos a tempo inteiro e abdicar de ter vida própria. Culturalmente ainda são vistos como egoístas, ao dar prioridade ao seu conforto e bem-estar em detrimento dos filhos. É uma avaliação injusta, pois quem o faz defende o seu direito a uma velhice digna e saudável e a poder usufruir do tempo extra que o ter de não trabalhar lhe proporciona. Claro que a melhor alternativa será um meio caminho, em que as pessoas mais velhas possam desfrutar da autonomia, do seu tempo e da saúde que possuem e também possam, de forma razoável, ser um apoio para os filhos. Mas, em muitos casos, não há esse equilíbrio.                                                                                              A sabedoria popular já dizia: “ser avó é ser mãe duas vezes”. Cada avó ou avô tem seu jeito de lidar com os netos e preservar e fortalecer a relação é muito positivo e benéfico para os dois lados!  Avós e netos fazem uma combinação perfeita em qualquer dia, qualquer hora ou qualquer época do ano. Quem não tem boas recordações dessa convivência? Avós “são pais com açúcar”, como também se diz que os avós que ajudam a criar os netos vivem mais tempo do que os que não têm intervenção na rotina das crianças. Por isso mesmo, para eles também é importante essa função de cuidador. Da mesma forma que a criança toma os pais como exemplo de comportamento e conduta, também se espelhará nos avós. Contudo, há quem garanta que a convivência entre avós e netos pode não ser tão boa quanto isso, porque os estragam com mimos e falta de regras em vez de ajudarem os pais na difícil tarefa de educá-los.                                                                                                                                                     O papel dos avós na educação dos netos é fundamental, pois, além da vasta experiência vivida, eles terão a oportunidade de transmitir valores que as crianças em desenvolvimento precisam. E a criança que tem a avó ou o avô por perto, crescerá com uma base emocional muito boa e forte, muito especialmente com os avós que gostam de compartilhar experiências. Mas, apesar dessa importância, nem todos os avós são muito felizes por passarem a maior parte do seu tempo a tomar conta deles. E, por maior que seja a valia, é importante que os avós sintam que dispõem de tempo de qualidade para eles, pois cuidar dos netos ocasionalmente é diferente de virar cuidador principal. O problema está em encontrar a medida exata para não abdicar da sua autonomia e até de não entrar em conflito com os filhos na educação dos netos, já que a responsabilidade da educação das crianças é deles. Tirando isso, o bom relacionamento entre pais e avós e entre avós e netos, só traz vantagens a toda a família, inclusive aos próprios avós que ficam mais ativos, física e psicologicamente, sentindo-se melhor e mais uteis.                                                              Como conciliar que as pessoas mais velhas possam desfrutar da sua autonomia, do seu tempo e da saúde que possuem e também, de forma razoável, possam ser um ponto de apoio para os seus filhos? É nesse equilíbrio que está o segredo para o protagonismo dos avós na educação dos netos num tempo em que, longe de diminuir a necessidade dessa ajuda, é cada vez maior e a sua ajuda para os pais tem um valor incalculável. E por isso, todos nós enquanto sociedade, lhes devemos muito …                                                

A “criação” vai engolir o criador?

Como se diz na gíria popular, “estou feito”. A minha carreira como “escrevinhador” de algumas ideias que me passam pela cabeça está a chegar ao fim, pois vou ser despedido um dia destes, sem apelo nem agravo e sem direito a indemnização. A direção do TVS ainda não me comunicou, mas eu já estou preparado para ser “posto no olho da rua” e ser substituído pela “criação” digital, a Inteligência Artificial, mais conhecida por IA, pois esta é uma das primeiras profissões a desaparecer com o seu desenvolvimento. E, como a IA é a tecnologia que mais rapidamente se espalhou pelo mundo, os meus dias de “escrevinhador” estão contados. Dizem os especialistas que no topo da lista das profissões em risco de desaparecimento encontram-se os escritores e autores, só superados pelos intérpretes e tradutores, seguidas pelos jornalistas e repórteres, editores, analistas de dados, especialistas em relações públicas e matemáticos, além dos trabalhadores de “cal centre” e dos assistentes jurídicos. Podem dormir descansados os canalizadores porque esta tecnologia não lhes faz concorrência. Mas também como já é tão difícil arranjar um para reparar o autoclismo …. Ora, como consequência desta coisa a que ainda não me habituei, as minhas condições de vida vão piorar, não propriamente ao nível económico porque os ganhos que tive ao longo desta jornada não passaram do amável convite para o jantar de aniversário do Jornal, mas ao nível do mediatismo e reconhecimento público que faz inveja ao Cristiano Ronaldo …

Bom, esquecendo este aparte, a IA é uma realidade que está a entrar nas nossas vidas de forma acelerada e a maioria das pessoas ainda não sabe, nem sequer se apercebeu, das consequências que pode vir a ter nas suas vidas e do quanto vai passar a fazer parte delas. Depois do aparecimento da internet, esta é uma nova revolução de que se desconhecem os limites. Mas, afinal, o que é a IA? A Inteligência Artificial é a utilização de tecnologias digitais para criar sistemas capazes de realizar tarefas que geralmente exigem intervenção humana. A IA processa a informação de forma mais rápida e exata. Pode-se dizer que a IA é uma ferramenta extraordinária quando é utilizada para bem da humanidade, tendo o seu aparecimento sido comparável ao do fogo. No entanto, sabe-se que, para além do elevado número de empregos que pode extinguir, comporta riscos muito grandes para a sociedade, ao ponto de Geoffrey Hinton, considerado o “padrinho” da inteligência artificial (IA), se ter despedido do seu trabalho na Google para poder alertar e fazer campanha para os perigos desta nova tecnologia. Ao aumentar a eficiência, automatizar as tarefas e oferecer soluções inovadoras, a inteligência artificial está a transformar a sociedade, as indústrias e os modelos de negócio, aumentando a produtividade, reduzindo os erros humanos e os custos, analisando dados em larga escala que permitem melhoria na tomada de decisões e com um aumento significativo da segurança. Mas a primeira consequência negativa é que está a colocar em risco muitas profissões, especialmente as intelectuais e que tenham a ver com a língua e a matemática. Pelo contrário, para já, as profissões que exigem uma presença física, trabalho manual ou interação humana direta são seguras, como os auxiliares de enfermagem, massagistas, operadores de máquinas, empregadas domésticas e outras. Mas também essas virão a ter problemas, é só uma questão de tempo. Por exemplo, a IA pode analisar imagens médicas rapidamente e sugerir diagnósticos, que os médicos confirmarão ou rejeitam com base nos seus conhecimentos especializados. Mas, com o passar do tempo e mais exemplos e mais retornos de informação, a IA aperfeiçoa a capacidade de detetar doenças com precisão, tal como acontece com os médicos. E o mesmo se passa na indústria transformadora ao otimizar os recursos, aumentar a produtividade e reduzir o impacto ambiental das empresas, tal como na educação e muitas outras áreas.

Mas existe o outro lado da “moeda”, os riscos para a sociedade que se imaginam e vão confirmando, mais aqueles que só o tempo nos dará a conhecer. Para já, traz a discriminação com base no género, raça, situação socioeconómica ou comportamento passado, a intromissão na vida privada, manipulação de formas de pensar, dilemas éticos e muitos outros. Mais ainda, os sistemas avançados de IA podem não estar alinhados com os valores ou prioridades humanas. Geoffrey Hinton alertou que “A sobrevivência da humanidade está ameaçada quando “coisas inteligentes nos podem enganar”.

Os filmes de ficção retratam a IA em cenários futuristas onde esta começa a pensar por si mesma, supera os humanos e derruba a sociedade. Mas o curioso, e perigoso, é que a realidade já persegue a ficção e a IA já chegou ao ponto de pensar por si mesma, pois quanto mais perguntas lhe fizerem, mais dados recolhe e mais “inteligente” fica. É o caso do ChatGPT que, quando lhe fazem uma pergunta para a qual não tem resposta, como não admite não a saber, inventa uma. Da mesma forma todos sabemos que não se pode confiar em tudo o que se lê na Internet, pois a arte gerada intensifica essa desconfiança. Por isso, não podemos confiar em tudo o que ali se vê.  Todos sabemos que há a manipulação digital de uma foto ou vídeo para retratar um evento que nunca aconteceu ou retratar uma pessoa fazendo ou dizendo algo que nunca fez ou disse. A arte gerada por IA, cria novas imagens usando uma compilação de trabalhos publicados na Internet para atender a um comando específico. Hoje, compartilhar um artigo de “notícias” com seus seguidores nas redes sociais ou divulgá-lo para outras pessoas sem garantir a veracidade é um risco. O mesmo se passa com o uso da voz. Mas quando a IA chega ao ponto de procurar saber das relações extraconjugais dos seus responsáveis e faz chantagem com eles, algo começa a passar dos limites e a criação a querer dominar o criador, o que, nestes casos, é inaceitável de todas as formas. E o certo é que não ficaremos por aqui …